Sic transit gloria mundi

"Assim passa a glória do mundo”

terça-feira, 30 de março de 2010

A quem ainda se lembra de João Helio.

Do blog Cafeinado
“Nicodemos explicou que o jovem, solto pela Justiça semana passada, foi incluído no Programa de Proteção à Criança e ao Adolescente Ameaçado de Morte, sob a coordenação da Secretaria Especial de Direitos Humanos do governo federal. A secretaria, por sua vez, encaminhou o caso à ONG Projeto Legal, que é uma das oito organizações parceiras espalhadas em oito estados do Brasil.”
Daqui: http://noticias.r7.com/rio-e-cidades/noticias/diretor-de-ong-nega-que-menor-do-caso-joao-helio-tenha-ido-para-a-suica-20100218.html

Muitas mensagens indignadas circularão pela Internet, muita gente vai se revoltar por algum tempo, depois tudo volta ao “normal”. O Brasil é um país doente que já se acostumou com suas dores crônicas. Nenhum “organismo” saudável deveria, simultaneamente, alimentar esperanças e esquecer suas grandes tragédias. Mas é isso que ocorre na selva esquizofrênica onde digladiam os botocudos tupiniquins.
Nenhum maluco desses que sai montando OGs (sim, porque N de ONG significa Não, mas aqui no Brasil são Organizações Governamentais mesmo, pois recebem verba oficial e estão assim vinculadas ao governo) pensa em João Helio e semelhantes. Não pensa porque não se vê na obrigação moral de pensar. Quando crimes ocorrem, tendemos a pensar nas leis, nas obrigações legais. Quase ninguém se dá conta de que não há obrigação legal que possa ser respeitada quando as obrigações morais são negligenciadas. E obrigações morais são negligenciadas quando um grupo forte, instituído e, para piorar, amparado pelo estado, empreende mais esforços em garantir a defesa de um assassino covarde de crianças do que aqueles necessários para evitar que bandidos semelhantes cometam crimes semelhantes.
Quando um bicho-grilo de terno e gravata (colete psicodélico também está na moda) monta uma OG, ele está pensando apenas em obter certa autoridade e respeito dentro do ambiente em que criminosos encontram vasta rede de proteção enquanto cidadãos de bem procuram no mercado portões de garagem automáticos que fechem cada vez mais rapidamente.
Veja na matéria do link acima que a ONG, digo OG, rapidamente, rapidamente, esse advérbio que não combina muito com a justiça brasileira, rapidamente incluiu o bandido em um programa de proteção sob a coordenação da Secretaria Especial de Direitos Humanos do governo federal. Em resumo: o belo exemplar de ser humano que despedaçou uma criança em via pública vai ser protegido com o dinheiro do cidadão (dinheiro que o governo tenta o tempo todo fazer crer que é dele).
Esse crime contra garoto João Helio, me lembro bem, foi cometido poucos dias antes do carnaval. Na época, comentei que o prefeito do Rio de Janeiro deveria, no mínimo, dado o valor simbólico que a repercursão da brutalidade desse crime trouxe, cancelar o carnaval da cidade naquele ano. Claro, quase todo mundo vê o cancelamento do carnaval como algo absurdo e impensável, afinal, é tudo muito complexo, envolve muita coisa, muitos compromissos firmados, é uma festa oficial (quê! mas carnaval não era para ser anárquico, que é o contrário de oficial? Ah, ia esquecendo!, estamos falando do país em que Organização NÃO Governamental é Governamental). Ora, não faria sentido cancelar tal festa se isso não significasse algum sacrifício, pois a natureza do sacrifício é exatamente mostrar que ainda há ânimo e que ainda estamos dispostos a pagar altos preços na luta contra problemas que julgamos fundamentais. Quanto mais alto o preço a pagar, mais empenhado nos mostramos em sair do estado letárgico que nos condena a uma tragédia onipresente. Cancelar o carnaval, dada sua forte ligação com a cultura brasileira em geral e carioca em particular, seria um preço razoável.
Porém, nessas horas em que algum sacrifício é necessário, o brasileiro sempre encontra justificativas para fugir de suas obrigações morais. Ninguém está disposto a sacrificar uma só vez na vida uns dias de festa em nome do estabelecimento de um marco, de um símbolo: “o ano em que o RJ não teve carnaval”. Seria um marco, se não a redenção moral, ao menos um ponto de luz no apagado e pouco lustroso senso de justiça brasileiro, um ponto de luz que poderia, tal qual um farol guia barcos na neblina, mostrar às próximas gerações que, em algum momento, algumas pessoas resolveram se mexer de uma forma diferente daquela costumeira "bota a mãozinha pra cima e bate na palma da mão".
Epa! Sacrifício? Futuras gerações? Senso de justiça? Farol? Luz? Redenção? Moral? Ah, essa tendência para a abstração... Ia me esquecendo de que falava do Brasil. A ilusão se esvai e a realidade logo irrompe quando a gente vê que está na terra das OGs, do sebastianismo rasteiro e do populismo brejeiro cheio de malemolência e ziriguidum e telecoteco. Ninguém requebra melhor do que nossa moral.
Basta olhar para os lados e ver que essa terra dos papagaios não passa de uma grande tribo asfaltada. A civilização aqui não chegou, logo não há obrigações legais ou morais que se sustentem. Asfaltar uma tribo de índios não é suficiente para trazer o mínimo de civilidade. O asfalto é nossa maquiagem. Muda-se o assessório e o essencial permanece tal e qual na época em que o bispo Sardinha conheceu nossas raízes. A letargia brasileira alimenta o auto-engano de que mudar a embalagem melhora o produto. (Um exemplo rasteiro e bem localizado: aqui em Fortaleza/CE, um bairro chamado Pantanal tinha altos índices de criminalidade e as pessoas viviam na extrema pobreza. Solução encontrada pelo poder público: mudar o nome do bairro, que hoje se chama Planalto Ayrton Senna. Quem está disposto a apostar que os índices de criminalidade e miséria mudaram por conta disso?).
Pular e saltar de alegria durante vários dias sobre o mesmo solo da cidade em que poucos dias atrás uma criança havia sido covardemente despedaçada é algo que só evidencia a escuridão moral de que padecem os aborígenes botocudos brasileiros. Não me vejo em sintonia com isso, por essa razão, por mais arrogante que isso possa parecer (diria até que com orgulho), não chego sequer a ter vergonha de ser brasileiro, porque nem brasileiro me sinto.

Mas, opa!, aonde vão passar a semana santa?

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